A beleza natural da região do Médio Rio Negro, localizada no município de Barcelos, Amazonas, faz do local um dos destinos mais desejados do Brasil para quem pratica a pesca esportiva. Entre rios de águas negras e paisagens belíssimas, um dos grandes protagonistas é o tucunaré-açu , uma espécie nativa que pode atingir portes impressionantes, o que tornou este peixe um símbolo da pesca esportiva na Amazônia.
Mas, para além do fascínio pelos peixes gigantes e pelas experiências turísticas, o que pensam os moradores, guias e empresários locais sobre os impactos dessa atividade? Foi essa a pergunta que motivou a engenheira de pesca Chiara Lubich a investigar, sob diferentes perspectivas, os efeitos da pesca esportiva em Barcelos. A partir de seu doutorado em Ciências Pesqueiras, ela desenvolveu dois livretos que apresentam, de forma ível, dados ambientais, sociais e econômicos sobre a prática na região.
Foto: Enviada por Chiara Laubich
Com base na pesquisa intitulada “Pesca Esportiva na Bacia do Médio Rio Negro, Amazonas-Brasil: Avaliação Ecológica, Econômica e Social” , os materiais revelam o papel estratégico que a pesca esportiva pode ter na conservação ambiental, no desenvolvimento sustentável e na economia local. A escolha de Barcelos como objeto de estudo não foi por acaso: o município é reconhecido internacionalmente por atrair pescadores do mundo todo em busca do tucunaré-açu. Ao mesmo tempo, é onde a pesquisadora nasceu e cresceu, vivenciando desde cedo a relação da comunidade com a atividade. “Minha mãe é cozinheira em operações de pesca esportiva, então parte dos meus estudos foi financiada por meio dessa fonte de renda” , disse Chiara.
Segundo os dados levantados, a pesca esportiva representa a principal fonte de renda de muitos moradores. Durante a temporada há um crescimento de mais de 100% no mercado local. Os guias de pesca, chamados de piloteiros , têm papel essencial nesse cenário: 82% deles garantem a maior parte da renda familiar exclusivamente com a atividade . Já entre os empresários da área, 64,29% apontaram a pesca como uma das principais fontes de sustento. Os comerciantes e a comunidade local também garantem renda: 49% dos comerciantes e 34,83% da população relatam ganhos provenientes da entrega gerada pelo turismo de pesca.
A pesquisa também expõe que os pescadores esportivos investem, em média, R$ 8.710,00 em pacotes de pesca esportiva oferecidos por empresas sediadas em Barcelos, contribuindo com a economia local.
Foto: Enviada por Chiara Lubich
O estudo de campo durou dois anos e Chiara conversou com estes grupos em tempos distintos, respeitando as rotinas e disponibilidade. Empresários e pescadores esportivos foram abordados durante a temporada, inclusive em momentos como o embarque no aeroporto. Já guias, comerciantes e moradores foram entrevistados em períodos de menor fluxo, fora da temporada. Esse cuidado metodológico garantiu uma visão mais precisa da realidade de cada um.
Sustentabilidade e o papel dos guias de pesca
No aspecto ambiental, o estudo aponta que a pesca esportiva tem potencial para fortalecer a conservação dos recursos naturais , mas esbarra em desafios importantes. A falta de gestão integrada, a ausência de fiscalização e o baixo investimento em educação ambiental são entraves que impedem que uma atividade seja plena como aliada à sustentabilidade. Apesar disso, Chiara destaca que os praticantes, sobretudo os estrangeiros, já demonstram maior consciência ambiental. Entre os brasileiros, ainda há necessidade de fortalecer essa cultura, algo que, segundo ela, deve começar na educação básica.
“A consciência ambiental no Brasil ainda é muito recente, tem menos de 30 anos. Nos Estados Unidos, por exemplo, esse tema já faz parte do conteúdo escolar há bastante tempo. A pesca esportiva tem um grande potencial para promover a preservação ambiental, pois envolve gestão, monitoramento, fiscalização e, principalmente, o trabalho de conscientização. Além disso, é uma atividade que também movimenta muito a economia”, relatou ela.
Um dos destaques do estudo foi o papel dos guias de pesca como agentes de transformação. Muitos desses profissionais têm origem em outras práticas, como a pesca ornamental, portanto, já carregam uma cultura de cuidado com o ambiente. Como por exemplo, ao observar as mudanças como a redução do peixe cardinal, no ado, esses guias desenvolveram uma consciência ambiental que agora se aplica na pesca esportiva, contribuindo para que a prática se torne cada vez mais responsável, além da convivência com turistas e pesquisadores que promove um intercâmbio de saberes, uma vez que ocorre a troca de conhecimento com pescadores habituados a viajar para outras regiões do país e observar o comportamento das espécies.
O estudo ainda mostra que a maioria dos pescadores entrevistados concorda que os guias possuem competências que fazem com que sejam considerados modelos comportamentais na pesca.
O comportamento dos tucunarés-açu
De acordo com a pesquisa, 54% relataram mudanças no tamanho da espécie: enquanto 34,23% observaram um crescimento nos exemplares nos últimos anos, 19,82% perceberam uma diminuição. Em relação à quantidade de peixes capturados, 41,3% afirmaram que têm pescado mais.
Para os praticantes, os principais fatores que afetam a população de tucunarés-açu são: a sobrepesca, a pesca comercial, a poluição, a falta de educação ambiental, as mudanças climáticas e a má gestão dos recursos naturais. Esses dados evidenciam a necessidade de ações sustentáveis e planejadas. Proteger o tucunaré-açu é garantir que a pesca esportiva siga sendo, em Barcelos, um modelo de desenvolvimento que une conservação ambiental e geração de renda.
Ao traduzir o conhecimento científico em materiais íveis como os livros, Chiara dá um o importante para a democratização da informação. Pesquisas como essa são fundamentais não apenas para orientar políticas públicas e práticas sustentáveis, mas também para valorizar a pesca esportiva como uma atividade geradora de renda, empregos e, sobretudo, de oportunidades para o desenvolvimento sustentável na Amazônia.
Foto: Enviada por Chiara Laubich
Em uma região onde a floresta e o rio moldam o modo de vida, compreender os impactos da pesca esportiva é essencial para garantir seu futuro e o de quem dela depende.
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